"Eu me via muito como uma pessoa realista, mas na verdade eu era pessimista. A gente acaba ficando numa situação que acha que é normal", diz ela.
Demorou algum tempo até que seus pais percebessem que o comportamento da filha estava atípico. Momentos de raiva e irritabilidade foram os indicativos para que eles levassem Ana a procurar ajuda.
"Temos uma visão distorcida da depressão, mas eu tinha pontos de alegria, picos muito grandes de euforia, depois terminava e vinha a tristeza", relembra.
Mesmo tendo os sintomas iniciais do transtorno, ela só recebeu um diagnóstico quando já estava com sinais mais avançados de depressão. Ao receber atendimento médico, a jovem soube que sofria com distimia e que tinha um grau moderado de ansiedade.
Assim como Ana, é muito comum diversos pacientes receberem o diagnóstico desse tipo de depressão após décadas convivendo com os sintomas. Muitas vezes, os sinais mais evidentes são confundidos com a personalidade, "jeito" do indivíduo e podem ser subdiagnosticados até por médicos.
"A história mais comum que ocorre é alguém que tenha algum quadro de depressão leve ou de distimia, mas só quando os sintomas de depressão ficam mais graves o paciente procura ajuda e descobre que sofre com o transtorno", destaca Marcelo Heyde, psiquiatra e professor da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
O que é distimia?
O transtorno depressivo persistente é uma forma crônica de depressão e pode surgir na infância ou na adolescência, antes dos 21 anos de idade. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a distimia atinge aproximadamente 6% da população mundial.
A principal diferença dela para o tipo clássico é que, nesta, a pessoa consegue ser funcional e realizar suas atividades normalmente. No entanto, trabalhar, estudar e outras ações do dia a dia são um pouco mais difíceis de serem feitas.
"Ela faz as atividades com um custo maior da rotina e com uma produtividade reduzida por causa dos sintomas. Ela é funcional, mas a custa de maior esforço", explica Márcia Haag, psiquiatra e professora da Universidade Positivo, em Curitiba (PR).
Segundo os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, ainda não há um consenso sobre o que provoca a distimia. Normalmente, o transtorno pode ser multifatorial e gerado por fatores estressores durante a infância, predisposição genética e biológica, traumas ou questões sociais.
"É possível perceber que na fase adulta, é muito comum o paciente chegar com choro fácil e quando vai investigar, ele era uma criança mais quieta e tinha dificuldade de relacionamento", ressalta Bianca Breda, psicóloga e especialista em terapias cognitivas pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).
No caso de Ana, ela só descobriu a doença devido ao seu trabalho em um centro de apoio a crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. Por ter atendimento psicológico no local, a jovem pôde entender o que estava acontecendo com ela.
Como identificar e diferenciar do tipo clássico?
Diferentemente de outros episódios de depressão, que são mais fáceis de serem reconhecidos, a distimia tem caraterísticas "camufladas" e próprias.
Além do tempo de duração ser maior, os sinais mais comuns podem se manifestar por meio de cansaço, fadiga, autoestima baixa, indecisão e pessimismo exagerado.
Já na depressão comum e mais conhecida, a pessoa tende a mostrar sintomas exacerbados de tristeza, desânimo, falta de interesse nas coisas, perda de apetite e outros sinais que podem ser percebidos por pessoas ao redor e pelo próprio paciente.
"Na depressão há uma intensidade maior, o sofrimento de uma pessoa com depressão geralmente é maior e classificamos como leve, moderado ou grave. Geralmente está vinculada a algum evento", afirma Breda.
Não é personalidade
Esse transtorno é considerado um dos tipos de depressão mais difíceis de diagnosticar e em muitos casos é confundido como sendo "da personalidade".
Por causa desse erro comum, o diagnóstico se torna tardio e prejudica os pacientes na busca pelo tratamento correto, que pode ocorrer após décadas. É fundamental, de acordo com os especialistas, deixar de dizer que determinada pessoa é chata, "cricri", que ela é e foi assim vida inteira e, por isso, não vai mudar mais.
"A distimia vem de forma devagar e arrastada, porém, com o passar dos anos, apesar de ser leve, o impacto funcional é grande, pois a pessoa ganha apelidos como ranzinza e mal-humorada. Isso culturalmente é aceito, mas vai atrasando o diagnóstico e também reforça o neuroticismo, que é um traço de personalidade de ver as coisas mais negativas", explica o psiquiatra da PUC-PR.
A servidora pública, por exemplo, tinha dificuldades em se relacionar na escola e não sabia o motivo. "Eu sempre tive uma insegurança muito maior, principalmente amorosa e me bloqueava muito", diz.
Ela também acreditou que todos esses sentimentos faziam parte do seu comportamento, e que, com o tempo, poderiam passar. Mas isso não ocorreu e a oscilação do humor acontecia com frequência.
"Quem tem distimia tem uma vida muito conturbada consigo mesma. A gente acaba se irritando uma hora", conta Ana.
Como procurar ajuda e tratar o transtorno
É fundamental que o paciente procure atendimento precoce para evitar subdiagnósticos. Muitas vezes, quando há uma queixa pontual em relação a uma outra doença, ele pode não procurar um serviço psiquiátrico e, de forma generalista, receber um diagnóstico de outra enfermidade e a distimia passa despercebida.
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