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Câmara de Ilhéus - Acompanha sessões remotas

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Bocão 64

sábado, 24 de setembro de 2022

Mulher tem que votar em mulher? E se sim, de que mulher estamos falando?


Em primeiro lugar sim, sim e sim: a política institucional brasileira precisa de mais mulheres para ontem. Mais mulheres pretas, trans, lésbicas, indígenas, periféricas, aguerridas que lutem por igualdade de direitos, de salários, pela divisão justa de trabalho e cuidados, que sejam frente de resistência ao machismo na sociedade e dentro do Congresso, do Executivo e das casas legislativas. Mulheres com a caneta na mão. Tomando decisões. Isso é indiscutível, inclusive se pensarmos em proporções: apesar de sermos a maioria da população e 52% do eleitorado brasileiro, na Câmara dos Deputados, por exemplo, das 513 cadeiras, só 77 são ocupadas por deputadas, o que corresponde a 15% do total. No Senado, somente 12 mulheres foram eleitas para as 81 vagas, o que equivale a uma participação feminina de 14%. Apenas uma mulher foi eleita presidenta na história do Brasil, e pudemos assistir a maneira misógina como ela foi tratada durante seu governo e, principalmente, durante o golpe que sofreu.

O Brasil tem inclusive lei e emendas parlamentares que determinam cotas de ao menos 30% de dinheiro dos fundos partidários, candidaturas e tempo de propaganda para mulheres. O que não significa que essas mulheres serão de fato eleitas ou que essas mulheres sejam de fato apoiadas ou levadas a sério dentro de seus partidos. Também é importante celebrar as mulheres que durante esses últimos difíceis quatro anos de governo fizeram resistência ao ultraconservadorismo e a ameaça a direitos, mesmo enfrentando todo tipo de violência política de gênero e ameaças — muitas delas inclusive vindas de outras mulheres. Mas, e aqui coloco um grande mas: será que vale escolher uma candidata apenas por ser mulher? Sem ler seu projeto de governo? Sem conhecer sua história? Nos casos em que já tiveram cargos públicos, sem pesquisar sua trajetória política? Eu acredito que não. Não basta apenas eleger mulheres. E por isso não concordo com o bordão da candidata do MDB à Presidência, Simone Tebet, que diz "mulher vota em mulher". A própria senadora Simone Tebet, por exemplo, foi listada em uma publicação do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) entre os 50 parlamentares que mais atuaram contra os direitos indígenas no Parlamento. E a também candidata à Presidência e senadora Soraya Thronicke (União Brasil-MS), que ganhou destaque no debate Band/UOL ao criticar o machismo do presidente Jair Bolsonaro, há quatro anos acumulou 373.712 votos com o mote "a senadora do Bolsonaro" . Como não pensar na ministra Damares Alves e suas investidas contra direitos das mulheres e LGBT+? Ou em deputadas mulheres que propuseram projetos para acabar com as cotas para as mulheres? 

A socióloga Sabrina Fernandes do canal Tese Onze tem um vídeo muito interessante de 2020 que discute as diferenças entre representatividade simbólica —que seria a presença, a aparência, o efeito que maior participação feminina na política causa— e a representatividade substantiva ou concreta —que é a representatividade de conteúdo, a presença de uma deputada federal que não é apenas mulher mas que luta pela maioria das mulheres: trabalhadoras, que lutam por vagas em creches e na saúde, que lutam por um acolhimento real em casos de violência, por parto humanizado, que querem o fim da discriminação salarial.
"Todas ali [No Parlamento e nas casas legislativas] têm algum tipo de representatividade simbólica, sejam como mulheres de esquerda ou de direita. Mas nem todas elas praticam representatividade concreta. É algo que precisa de prática, vai ter a ver com coerência, com o que você defende. No fundo, não basta apenas ser mulher", diz ela. Eu concordo com Sabrina. Nós precisamos sim (e muito) de representatividade, mas representatividade concreta. E, como ela também coloca no vídeo, para nem todas as mulheres que dizem "vamos juntas" minha resposta vai ser sim. Para algumas vou dizer "desculpa, mas não vou não"

Acredito que mulher tem que votar em representatividade concreta. Votar em quem não sequestra nossas pautas para instrumentalização política ou transforma lutas importantes e essenciais do feminismo em pastel de vento.

Fonte: Andrea Dip / UOL 

Crescem casos de violência contra a mulher por colecionadores de armas


Um levantamento do Instituto Sou da Paz mostra que estão aumentando os casos de violência contra a mulher cometidos por colecionadores de armas, atiradores esportivos e caçadores (CACs), grupo que teve o acesso a armas facilitado durante o governo Bolsonaro.

Segundo o estudo, os crimes contra mulheres cometidos por homens com registro de CAC nos últimos quatro anos foram, principalmente, de agressão e violência doméstica, ameaça e feminicídio. Foi encontrado também um caso de violência sexual. O levantamento foi feito nos Tribunais de Justiça de três estados: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Em 2018 foi registrado apenas um caso e até setembro deste ano já havia quatro, totalizando 13 no período. Vale lembrar que número de pessoas com registro de CAC cresceu dez vezes nesse intervalo. Bruno Langeani, gerente do Instituto Sou da Paz, alerta para o fato de que os casos são ainda mais numerosos do que o levantamento apontou.

O levantamento do Instituto foi feito com base no uso de palavras-chave para a pesquisa jurisprudencial nos sites dos Tribunais de Justiça, dentre elas "atirador esportivo", "colecionador de armas", "caçador" e demais termos relacionados. A partir da leitura dos acórdãos, foram levantadas informações específicas quanto ao tipo de crime, o réu e o ano do crime.

A Universa, Langeani explica que a decisão de fazer esse estudo veio após notar um crescimento no número de casos desse tipo noticiados pela imprensa.

"Nossa percepção inicial se confirmou, mesmo sabendo que certamente o levantamento está subestimado, porque dependíamos que esses casos estivessem na segunda instância e, além disso, que a decisão judicial tivesse uma menção explícita aos termos buscados", descreve.

A pesquisa foi feita apenas com casos abertos para consulta pública nos sites dos tribunais, o que só acontece com casos que já estão em segunda instância.

Segundo ele, os dados derrubam o discurso de grupos armamentistas de que as armas de fogo serviriam para a proteção da família.

"Houve uma explosão no crescimento dessa categoria, que é composta majoritariamente por homens. E há também um discurso do presidente Jair Bolsonaro (PL) dizendo que essa ampliação no acesso às armas é uma política boa para as mulheres. Nosso levantamento derruba totalmente esse mito. Apesar de muitos homens comprarem armas com o discurso de que é 'para a defesa da família', na prática esse instrumento tem sido usado muito mais para violentar a mulheres do que para proteger", ele avalia.

Segundo Langeani, com a flexibilização do registro CACs, o que mais cresceu foi a posse de armas em casa feita por homens. "E é justamente a residência o lugar tradicional da violência contra a mulher", alerta.


A importância da Lei de Cotas na democratização do ensino superior do Brasil


Com o incentivo dos pais, Júlia Souza Reis sempre sonhou em estudar em uma universidade pública. Aluna desde o ensino fundamental l da rede estadual de São Paulo, a jovem de Santo André, na região metropolitana da capital paulista, estampava nos boletins notas excelentes. “Entrar em uma universidade pública, para mim, era uma oportunidade de melhorar as condições de vida da minha família”, conta ela, hoje com 25 anos. O problema é que, em uma sociedade meritocrática, a justiça nem sempre está do lado de quem mais precisa. Júlia foi percebendo isso no segundo ano do ensino médio, quando prestou o Enem como treineira e se decepcionou com a pontuação obtida, muito distante das notas de corte dos cursos para os quais prestaria no ano seguinte.
A explicação para esse resultado estava na defasagem da educação que havia recebido até então. O que o histórico escolar repleto de boas notas não mostrava é que, para ela e tantos outros alunos da rede pública, muitas vezes faltam materiais e professores nas escolas. Com docentes sobrecarregados e dando aulas a turmas lotadas, a discrepância entre o ensino privado e público é enorme. Tamanha desigualdade foi discutida por décadas até uma medida concreta ser adotada a nível nacional.

Em 29 de agosto de 2012, foi aprovada uma norma federal para promover mais equidade no ingresso ao ensino superior público. Conhecida como Lei de Cotas, a lei nº 12.711 previa que 50% das vagas em instituições federais de ensino técnico e superior vinculadas ao Ministério da Educação fossem reservadas a estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas integralmente. Além disso, metade delas seria destinada a alunos cuja renda familiar fosse igual ou inferior a um salário mínimo e meio.
Quatro anos depois, em 28 de dezembro de 2016, foi aprovada a lei nº 13.409, que incluiu na Lei de Cotas mais grupos minoritários. A norma passou a dispor que aquelas vagas destinadas a alunos vindos do ensino médio público também seriam repartidas entre candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas, além de pessoas com deficiência. A ideia é que a composição das turmas espelhe a população do estado ao qual a instituição de ensino pertence.


Após estudar quase dois anos em um cursinho popular gratuito, Júlia conseguiu realizar seu sonho e de sua família. Em 2017, ingressou no curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Bernardo do Campo (SP), graças à reserva de vagas destinadas a estudantes que concluíram o ensino médio na rede pública. Parda (mas que na época não se declarou como tal por entender que seu tom de pele era muito claro) e filha de trabalhadores que não tiveram oportunidade de fazer uma faculdade, Júlia faz parte de uma nova leva de estudantes que têm mudado o perfil do universitário brasileiro.
Trajetória de privilégios

Para entender por que a educação superior do Brasil é historicamente branca e rica, vale a pena voltar alguns séculos e analisar a formação desse sistema de ensino no país, que é muito jovem comparado ao de outras nações. Grandes centros de formação superior já existiam na Ásia, África e Europa desde a antiguidade, mas a concepção moderna de uma universidade nasceu em 1088, com a criação da Universidade de Bolonha, na Itália. Desde então, a Europa inaugurou algumas das mais renomadas universidades do mundo, como as de Oxford (1096), Salamanca (1134) e Cambridge (1209).

Quando os europeus vieram para as Américas, construir universidades não era bem uma prioridade, mas mesmo assim algumas foram inauguradas a partir do século 16. A primeira foi a Universidade São Tomás de Aquino, em 1538, na atual República Dominicana. Hoje, a entidade é conhecida como Universidade Autônoma de Santo Domingo. Em menos de 20 anos, os espanhóis também fundaram a primeira universidade da América do Sul: a Universidade de San Marcos, no Peru, em 1551. Já no século 17, os ingleses passaram a construir suas academias na América do Norte, sendo a primeira delas a Universidade Harvard, de 1636.

Os portugueses só foram se preocupar em investir na formação superior de sua colônia por aqui no século 19. Em 18 de fevereiro de 1808, menos de um mês após a chegada de D. João VI ao Brasil, foi fundada a Escola de Cirurgia da Bahia, a primeira instituição de ensino superior do país. Depois dela, várias outras surgiram, mas nenhuma concentrava cursos de diferentes áreas para serem consideradas universidades. A palavra “universidade” tem origem no termo em latim universitas, que significa “universalidade”. Para que uma instituição acadêmica receba esse nome, portanto, precisa abranger um universo de diferentes cursos, sobre temas variados.

Foi só no século 20, mais precisamente em 1909, que o Brasil inaugurou sua primeira universidade — embora ela não tenha recebido esse título na época. A Escola Livre de Manaus oferecia formação militar e cursos de agronomia, ciências jurídicas, farmacêuticas, sociais e naturais, engenharia civil, entre outros. Na década de 1920, porém, a instituição teve alguns cursos fechados por falta de verba. Levou 42 anos até que voltasse a funcionar plenamente, já sob o nome de Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Entre os centros de ensino superior pioneiros no país também estão a Universidade Federal do Paraná (UFPR), de 1912, a primeira a ser concebida como uma universidade de fato; e a Universidade de São Paulo (USP), que em 1934 tornou-se a primeira universidade brasileira baseada nos pilares de ensino, pesquisa e extensão.

Ao longo desses dois séculos de existência, o ensino superior do Brasil foi formado por um corpo discente majoritariamente branco e rico, que deixou de ter que cruzar o Atlântico em busca de formação na Europa e passou a ocupar as salas de aula de universidades públicas por aqui mesmo.

Conhecida como Lei do Boi, a lei nº 5.465 foi aprovada em 3 de julho de 1968. A princípio, ela estabelecia que 50% das vagas de cursos de agronomia e veterinária mantidos pela União fossem destinados a “candidatos agricultores ou filhos destes, proprietários ou não de terras, que residam com suas famílias na zona rural” e 30% para aqueles com o mesmo perfil, mas que morassem em cidades ou vilas sem acesso ao ensino médio. Acontece que, após anos de aplicação, constatou-se que os principais beneficiados eram filhos de grandes fazendeiros, que tinham condições de frequentar o ensino superior sem cotas. A Lei do Boi esteve em vigor até 1985.

Foi só com o fim da ditadura militar e o início da redemocratização que a luta pelo acesso ao ensino superior a quem precisa se fortaleceu. “Em 20 de novembro de 1995, tivemos a Primeira Marcha Zumbi contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida em razão dos 300 anos do assassinato de Zumbi dos Palmares, um dos maiores líderes da resistência negra brasileira”, lembra Joaze Bernardino-Costa, professor associado do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB). Reunindo cerca de 30 mil pessoas na capital do país, a manifestação chamava atenção para a falta de políticas públicas voltadas à população negra.

O acesso ao ensino superior era uma das principais demandas. “A partir desse evento, o governo FHC [de Fernando Henrique Cardoso, presidente do Brasil de 1995 a 2002] criou um grupo de trabalho interministerial que começou a estudar propostas de ações afirmativas e organizou um seminário sobre multiculturalismo e antirracismo para elaborar medidas de enfrentamento ao racismo no Brasil.” O assunto havia entrado na pauta do governo federal graças ao movimento negro, mas foram necessários muitos mais anos de luta para que estudantes pretos conseguissem ter maior acesso ao ensino superior público do país.

Um passo à frente

Antes mesmo da aprovação das leis federais, alguns estados e universidades já haviam se adiantado na discussão sobre cotas e criado suas próprias regras. A primeira instituição pública de ensino superior a implementar cotas sociais e raciais no ingresso de seus estudantes foi a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Com a aprovação da lei estadual nº 3.524 em 2000, foram reservadas 50% das vagas para pessoas que cursaram integralmente o ensino médio em escolas da rede pública municipal e estadual.
Já em 2001, a lei estadual nº 3.708 marcou a criação de cotas destinadas à população negra para as vagas de graduação da UERJ e da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). Nos anos seguintes, as cotas foram sendo remanejadas e ampliadas, incluindo a criação de reservas para candidatos indígenas e pessoas com deficiência.
“Qualquer pessoa que esteve na universidade [UERJ] antes das cotas vê uma mudança racial e econômica drástica no corpo discente”

Luiz Augusto Campos, professor do IESP-UERJ
Se em 2003 a UERJ recebeu 3.056 cotistas em seu primeiro vestibular com reservas de vagas, em 2020 esse número chegou a 7.553 alunos. “Qualquer pessoa que esteve na universidade antes das cotas vê uma mudança racial e econômica drástica no corpo discente”, afirma o cientista político Luiz Augusto Campos, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da UERJ e coordenador do Grupo de Estudos Disciplinares de Ação Afirmativa (Gemaa) da universidade.

Outra instituição que esteve à frente das discussões sobre cotas foi a UnB, a primeira universidade federal a criar vagas para enfrentar a exclusão étnico-racial existente no ensino superior e também a primeira a fazê-lo por conta própria, sem uma demanda exigida por lei. Quem estabeleceu o primeiro plano de cotas da UnB foi o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe), que aprovou em 2003 a reserva de 20% das vagas da graduação para estudantes negros e criou 20 vagas adicionais para indígenas, que são acessadas pelo Vestibular Indígena. Realizado em parceria com a Fundação Nacional do Índio (Funai), esse processo seletivo é adaptado ao tipo de educação ministrada em tribos Brasil afora.

Alunas de escola pública são premiadas por absorvente sustentável de R$ 0,02

Foi numa conversa dentro de casa que a estudante Camily Pereira dos Santos, 18, deparou-se com a pobreza menstrual pela primeira vez. Ainda durante a pandemia, ela descobriu que a mãe não teve acesso a absorventes na juventude e precisava improvisar o bloqueio do fluxo com panos velhos e tecidos.

"Nunca imaginei que essa questão estivesse tão próxima de mim", diz Camily.

Foi então que a aluna do curso técnico em informática do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, integrado ao ensino médio, em Osório (RS), teve certeza de qual seria seu objeto de estudos: um absorvente sustentável feito a partir de subprodutos industriais que fosse ecologicamente correto, barato e acessível.
Funcionária pública desde 2010, a professora Flávia Twardowski logo abraçou a iniciativa e passou a orientá-la. Laura Nedel Drebes, 19, estudante do curso técnico em administração da mesma instituição –e que já tinha conhecimento prévio sobre plástico biodegradável, fundamental para uma das camadas do absorvente–, logo se uniu a elas.

Foram quase nove meses trabalhando por cinco horas diárias durante a pandemia para chegar ao protótipo laureado em agosto na Suécia com o Prêmio Jovem da Água de Estocolmo, onde as cientistas foram contempladas com US$ 3.000 (cerca de R$ 15.500).

"Quando foram anunciar o prêmio e falaram sobre a questão da dignidade humana, foi o momento em que a Laura e eu nos olhamos e demos as mãos. Eu sussurrei: 'não acredito, é a gente'. Nos levantamos e nos abraçamos", afirma Camily.

Laura explica que cada quilograma de algodão usado para produzir o produto convencional precisa de 10 mil litros de água. O processo do absorvente sustentável, que ganhou o nome de SustainPads, usa 99% menos água, segundo a aluna.

O algodão, explica Camily, é substituído por fibras do pseudocaule da bananeira e do açaí de Juçara, planta típica da Mata Atlântica. "Usamos essa matéria-prima no lugar do plástico feito de recursos não renováveis."

O produto criado por elas tem um custo médio de R$ 0,02 a unidade (refil mais invólucro de tecido que o envolve) e segue padrões nacionais e internacionais de segurança para absorventes, segundo o grupo.

A equipe, ainda durante a estadia na Suécia, foi sondada por uma empresa europeia que tem trabalhos sociais na África. Organizações brasileiras e o sistema carcerário também demonstraram interesse no produto e, com isso, o grupo decidiu abrir processo de patente do protótipo.

"O próprio Unicef [Fundo das Nações Unidas para a Infância] nos mandou mensagem para uma parceria", afirma a professora Flávia.

Até a conquista no exterior, as alunas passaram por uma série de desafios: muitas tentativas e erros em seu experimento, além da falta de um laboratório e de equipamentos básicos para trabalhar, como prensa e o aparelho para fazer os testes mecânicos dos filmes.

Para substituir o algodão que reveste a parte interna do absorvente, elas tentaram usar sabugo de milho e casca de arroz.

"Mas esses não foram materiais tão bons e tão absorvente quanto o algodão. Ficamos, então, com as fibras do pseudocaule da bananeira, que se mostraram ser capaz de absorver 17% mais que o absorvente convencional", afirma a professora.

Para extrair essa fibra que substitui o algodão, elas precisaram improvisar, na falta do equipamento adequado. "Então veio a ideia de literalmente atropelar o insumo com a roda do meu carro como se fosse uma prensa", afirma a orientadora.
Apesar da importância social do absorvente sustentável, as três brasileiras não tinham expectativa de ganhar o prêmio na Suécia. Elas já haviam passado pela etapa nacional, no Rio de Janeiro, e foram as escolhidas para representar o Brasil em Estocolmo, onde concorreram com outros 35 países.

"Foi muito inusitado [vencer]. Quando fizemos a inscrição, não imaginávamos que nosso projeto estava tão relacionado com a água. Havia trabalhos como tratamento de fluentes, por exemplo, que pareciam mais prováveis de vencer", afirma Laura.

A aluna lembra, ainda, um encontro especial que teve em Estocolmo. "Conhecemos a princesa Vitória da Suécia [primeira na linha de sucessão ao trono sueco], patrona do prêmio."

Para a professora Flávia, o prêmio expõe a relevância do ensino público. "Mostramos que o Brasil também produz bom conhecimento e que as meninas podem fazer ciência, inclusive na educação básica e em uma escola pública."

As estudantes esperam ter seu produto no mercado em, no máximo, cinco anos. "Que o SustainPads chegue a um custo bom e acessível às consumidoras no mundo inteiro para reduzir a pobreza menstrual", afirma Camily. 

No Brasil, mais de 4 milhões de mulheres não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas, de acordo com dados da Unicef. Isso inclui falta de acesso a absorventes e instalações básicas nas instituições de ensino, como banheiros e sabonetes.

Em março, o governo estadual de São Paulo afirma ter repassado R$ 35 milhões para o Programa Dignidade Íntima, que distribui absorventes nas escolas da rede como forma de combate à pobreza menstrual, com destaque para alunas em situação de vulnerabilidade.

Na mesma época, após polêmica do veto do presidente Jair Bolsonaro, foi promulgada a Lei 14.214/2021, que cria o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. A norma determina que estudantes dos ensinos fundamental e médio, mulheres em situação de vulnerabilidade e presidiárias recebam absorventes para sua higiene pessoal gratuitamente.