Que relação tem Xerazade com as mulheres contemporâneas da luta? Não sei, talvez tudo. Coincidência ou não, fato é que estabeleci o compromisso diário, logo cedo, a leitura de uma crônica de Rubem Alves. A crônica que me venho para o deleite dessa manhã, foi a que ele escreveu sobre As mil e uma noites, de autoria sabidamente desconhecida. A personagem principal dessa estória é Xerazade.
Reza o conto que o Sultão, após sofrer adultério decretou que todos as noites se casaria com uma mulher diferente, uma mais bela que a outra. Na manhã seguinte de cada casamento, após desposá-las, decapitaria cada uma delas para que dessa forma não corresse o risco de sofrer nova traição.
Após inúmeros casamentos e decapitações; a filha do principal ministro do Sultão, o vizir responsável pelas execuções dos decretos matrimoniais, se candidatara irredutivelmente a vez; e ao casamento com a realeza, o Sultão. Segundo a escrita, Xerazade, além de belíssima conhecia milhares de histórias e provérbios filosóficos.
Pois bem, após a consumação do ato carnal e do esgotamento físico do Sultão, antes que ele ordenasse a decapitação da filha de seu vizir; Xerazade lhe assopra palavras ao ouvido. Começa a falar, contar estórias que lhe cai como um dos atos mais prazerosos que jamais imaginaria possível. Desse modo, Xerazade convencera e persuadira o Sultão a não decapitá-la.
Uma outra leitura poderia ser feita; o Sultão adiou a execução por Mil e uma noites, eternamente e um dia a mais. Mas daí é cada um com o seu juízo. Floreado as palavras, já distante do conto, volto a pergunta inicial. Qual relação tem Xerazade com as mulheres das lutas modernas? Eu diria que a luta.
Xerazade lutou por bravos mil e uma noites por sua vida, resistindo, reexistindo se reinventando conforme as circunstâncias lhe obrigavam. Habilidosa contadora de estórias tinha como recurso repertórios. A exemplo da personagem fictícia de autoria desconhecida, o repertório desenvolvido pelas mulheres das lutas modernas e contemporâneas, a exemplo daquelas 126 queimadas numa fábrica têxtil sob uma extenuante e excessiva jornada de trabalho, sob condições das mais desumanas na cidade de Nova York em 1911, passa longe da ficção literária e se reverbera até hoje fortalecendo o empoderamento feminino em todo o planeta.
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