Adianta colocar a criança de castigo ou, em uma versão mais suave, num "cantinho da disciplina"?
Essa é uma das dúvidas mais comuns de pais e cuidadores diante da "desobediência" infantil.
Defensores do "cantinho do pensamento" dizem que sim, argumentando que o método dá aos pais uma estratégia que evita a violência.
Mas o conhecimento recente da neurociência coloca essa ideia em xeque, ao mostrar que o cérebro das crianças sequer tem maturidade para aprender um "bom comportamento" ou refletir sobre as regras da família durante um castigo.
Essas evidências científicas apontam que a criança só vai incorporar sentimentos negativos durante essas punições — por exemplo, ressentimento —, em vez de aprender habilidades importantes de vida e ferramentas que a ajude a controlar as próprias emoções.
Ao mesmo tempo, especialistas defendem que dá, sim, para montar em casa um "cantinho" que sirva para acalmar na hora em que as tensões e as brigas escalonam.
Tudo isso a BBC News Brasil vai detalhar a seguir:
O cérebro infantil:
Um ponto-chave das pesquisas sobre o cérebro infantil é o chamado córtex pré-frontal.
Córtex pré-frontal, que controla impulsos e emoções, ainda é imaturo nas crianças
É a área do cérebro que "nos ajuda a pensar racionalmente, controlar impulsos, refletir sobre sentimentos e gerenciar nosso corpo e emoções", explica Claire Lerner, pesquisadora que ajudou a elaborar as diretrizes da organização desenvolvimento infantil Zero to Three, nos EUA.
Os cientistas descobriram que, durante toda a infância, mas sobretudo nos primeiros anos de vida, o córtex pré-frontal está imaturo. "O córtex pré-frontal está nos estágios mais rudimentares do desenvolvimento nessa idade", diz Lerner.
Ou seja, do ponto de vista fisiológico, a criança ainda não é capaz de controlar a maior parte das suas reações, porque tem um controle ainda inconsistente delas. Quando é tomada por emoções difíceis, como frustração, raiva ou medo, seu corpo reage — por exemplo, "explodindo" em crises de birra.
"Ao contrário das crenças populares, crianças pequenas que não cumprem o que é pedido, perdem o controle de suas emoções ou se distraem facilmente não são 'crianças más' nem estão sendo intencionalmente beligerantes ou não-cooperativas", explica o Centro de Desenvolvimento Infantil da Universidade de Harvard.
Ela cita uma das famosas pesquisas em que as crianças são colocadas diante de uma guloseima — e perguntadas se preferem comê-la imediatamente ou esperar para receber um segundo doce.
Embora, nesse estudo, muitas crianças de 3 anos tenham reconhecido que o melhor seria esperar para ter dois doces, prevaleceu na maioria delas o impulso de comer a única guloseima à sua frente.
"Claramente, elas sabem, pela lógica, que é melhor esperar, mas saber não é suficiente" para seu cérebro em formação, concluem os estudiosos.
"Sabemos que é só pelos 20 e poucos anos que essa parte do cérebro fica plenamente formada, o que também explica por que adolescentes são famosos por nem sempre tomarem as melhores decisões ou terem grande dificuldade em controlar seus impulsos", conclui Lerner.
Mas, mesmo tendo isso em mente, como lidar com os momentos em que as crianças perdem o controle ou se recusam a cumprir tarefas do dia a dia?
Os desafios e as birras
"Essas dúvidas provavelmente aparecem em ao menos 75% das consultas que os pais fazem comigo, porque estão vivenciando algum tipo de desafio — batalhas sobre a hora de dormir, o tempo de tela, birras em público ou em casa, todas questões comuns da primeira infância", diz Claire Lerner.
"Quando começou toda essa discussão sobre o 'time-out' ('castigo'), nos anos 1990, meus filhos eram novos e era uma estratégia muito comum: 'se você não parar com isso, vai para o quarto!'", relata. "E daí começamos a aprender muito mais sobre o desenvolvimento do cérebro das crianças, e do que ele é ou não capaz."
A estratégia ainda é defendida pela educadora infantil Cris Poli, conhecida por ter protagonizado o programa Supernanny na TV brasileira.
Ela argumenta que um "cantinho da disciplina" evita gritos e agressões nas relações entre crianças e cuidadores, a partir dos 2 anos de idade.
"Desobediência? Coloque regras simples, discipline seus filhos", ela diz, citando por exemplo a importância de uma regra para escovar os dentes após as refeições.
"Você explica a regra no nível do entendimento dela. Desobedeceu? Você lembra, mostra a regrinha, dá um aviso. Se desobedecer de novo em 24 horas — não uma semana, mas sim 24h —, vai para o cantinho da disciplina. 'Você vai ficar aqui sentadinho para pensar por que decidiu desobedecer'. Um minuto por ano de idade", diz.
"Quando termina o tempo, você pergunta à criança: 'você lembra (o motivo da punição)?' Dá um beijo, abraço, parabéns. Você não fica nervosa, não bate, não grita. É diálogo. Porque disciplina não é agressiva, é com amor."
Habilidades de vida
De fato, quando surgiu como uma alternativa às agressões físicas, o "cantinho do pensamento" trouxe um avanço — o problema é que ele desconsidera os conhecimentos mais recentes sobre o comportamento infantil, argumenta a psicóloga e autora Nanda Perim.
Ela cita as pesquisas da americana Jane Nelsen, cujo trabalho é base da "disciplina positiva", corrente que defende a criação por meio não da punição, mas do ensinamento de habilidades de vida.
Ao coibir desejos e impulsos sobre os quais a criança ainda não tem controle, o "cantinho da disciplina" desperta uma reação primitiva no cérebro infantil: a de "fugir ou lutar", defende Perim.
"O cérebro vai reagir a essa ameaça ou fugindo, ou lutando. E isso pode (se traduzir) em baixa autoestima, de ela achar que é ruim, porque faz tanta coisa errada. Ou vai querer se vingar, para sentir que está no controle da própria vida, e vai fazer (o comportamento indesejado) de novo, mas escondendo dos pais", ela diz.
"Com 6, 7 ou 8 anos, a criança está começando a desenvolver (controle emocional). E daí ela precisa de alfabetização emocional — dar nome às emoções dela, reconhecer como essas emoções mexem com seu corpinho, quais os gatilhos para elas brotarem, quais os gatilhos da calma para elas melhorarem. Isso é habilidade de vida. Mandando a criança ficar olhando para a parede, ela não vai aprender nada disso", prossegue a psicóloga.
"Aliás, eu ensino muito mais habilidades de vida quando eu mostro ao meu filho que eu também sinto raiva e que administrar minha raiva é difícil. Porque meu filho olha para mim e fala 'quando é difícil para mim, é porque eu sou uma pessoa, não é porque eu sou ruim e tenho problema'."
Na mesma linha, Claire Lerner diz que as pesquisas sobre o cérebro "mostraram, para nós no campo (da psicologia infantil), que medidas punitivas são contraproducentes — porque passa às crianças a mensagem de que suas emoções não importam, de que 'você é uma criança ruim e decepcionante'. E vimos que isso não reduz o comportamento (indesejado) para além do momento do castigo".
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