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Bocão 64

domingo, 22 de maio de 2022

Professor de faculdade privada: classe em extinção?

Crescimento subsidiado, mas não regulamentado

Já há alguns anos, o crescimento das instituições de ensino superior privadas é substancial no Brasil. Entre a expansão, iniciada durante a ditadura militar e aprofundada a partir do final dos anos 1990, e o processo de mercantilização e concentração em grandes conglomerados atraídos por fartos subsídios públicos a partir dos anos 2000, fomos assistindo ao surgimento de grandes prédios, instalações confortáveis com logomarcas ainda maiores, onde milhares de estudantes confirmavam a distopia que os dados do censo da educação superior indicavam ano a ano: a hegemonia do setor privado em relação ao público. O número de matrículas nos dez últimos anos ilustra o tamanho do setor privado: em 2010 eram 1.643.298 estudantes matriculados em instituições públicas e 4.736.001 em instituições privadas, em 2020 são 1.956.352 matriculados nas instituições de ensino superior públicas, ao passo que as instituições de ensino superior privadas concentram 6.724.002, ou seja 77,5% das matrículas estão nas instituições privadas e 22,5% nas públicas (INEP, 2022).

Concentradas, predominantemente no Sul e Sudeste do país, nas regiões centrais ou nas proximidades de estações de metrô, essas instituições atraíram a juventude trabalhadora que ansiava alguma mobilidade social e econômica por meio do curso superior. Tal anseio encontrava lastro no discurso da democratização do acesso por meio, sobretudo, dos programas de incentivo federal como o Prouni e Fies.

No entanto, a democratização do acesso e o consequente crescimento do setor privado de ensino superior não significou efetiva ampliação de estudantes participando de cursos de qualidade e pedagogicamente estruturados. Tampouco, significou melhoras nas condições de trabalho para docentes e demais profissionais da educação. O que se viu, na prática, foram fusões e aquisições sucessivas ao longo dos anos, resultando no mercado de ensino superior mais concentrado do mundo, marcado fortemente pela presença de grupos e capitais financeiros de vários cantos do globo.

Resultado também de regulações frágeis, o mercado de ensino superior privado no Brasil hoje é marcado por fraudes nos programas federais de incentivo, emissão de diplomas falsos, manipulações para driblar avaliações do Ministério da Educação e meios de gestão etc.[1] O grupo estadunidense Laureate, que já esteve presente em todos os continentes, e que chegou a ser dono de doze instituições de ensino superior no Brasil, por exemplo, tinha, só em nosso país, mais de 25% de todas as suas matrículas mundiais. A corporação, que encerrou suas atividades no Brasil em 2020, vendendo suas faculdades para o grupo Ânima, contava, enquanto operava no país, com uma coordenação nacional responsável por articular fraudes sistemáticas na documentação de avaliação dos seus cursos e instituições junto ao MEC. O objetivo era centralizar e padronizar procedimentos, de modo a facilitar o trabalho de gestores, na ponta, e garantir a nota máxima tão almejada para a propaganda e captação de novos alunos.

A escala crescente dos grupos de ensino superior operantes no Brasil foi tornando recorrentes práticas desse tipo, de modo que é costumeiro escutar relatos semelhantes de profissionais e gestores de instituições de ensino superior de outros grupos país afora. Todo tipo de experimentação corporativa, como a utilização de robôs para acelerar processos e eliminar custos, passou a ser feita no país. Nesses casos, resta evidente que tais manobras visaram e visam à ampliação dos lucros das empresas educacionais. Embora se tenha pretendido outorgar à iniciativa privada um papel social para democratizar o acesso ao ensino superior, sem imposição de obrigações ou contrapartidas, o tipo de expansão e a finalidade desse processo se desdobrou em formas de exploração da mercadoria educação e da força de trabalho docente até então só imagináveis em ficções distópicas.

O crescimento do setor também foi acompanhado pela consolidação de suas entidades representativas, que atuam junto ao poder público para viabilizar os interesses empresariais na educação e para pressionar por políticas educacionais vantajosas. Trata-se de uma rede que se organiza por meio de entidades patronais – em geral estaduais – que no plano federal se expressam pelas ações da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes) e do Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior, que anuncia em sua definição ter como “objetivo defender os legítimos interesses do ensino superior particular”. Nesse caso, a defesa dos interesses das instituições de ensino superior particulares passa também, é claro, pelo financiamento público e por infindáveis negociações de dívidas com o próprio Estado.

A submissão do Estado aos interesses do mercado, inclusive o financeiro, já tem sido objeto de amplos estudos sobre os modos de ser do neoliberalismo e tudo quanto ele engendra, inclusive a conversão de direitos públicos em serviços privados, além da supressão de direitos sociais, em especial aqueles que deveriam proteger as trabalhadoras e os trabalhadores. No Brasil, desde o governo de Michel Temer, essa super-representação dos mercados nas instituições de regulação do ensino superior só fez crescer. Faz anos que o cargo de Secretário de Regulação do Ensino Superior, responsável pela fiscalização das instituições de ensino superior públicas e, especialmente, privadas, é ocupado por pessoas vindas do mercado de capitais, que atuam em bolsas de valores. Na seara da educação, interesses articulados entre Estado e diferentes frações da burguesia, brasileira e mundial, em todos os níveis de ensino, uma educação orientada pelo e para o mercado. Consideradas apenas essas breves linhas sobre o problema e já estaríamos diante de um fosso. Mas não é só.


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