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segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Poucas coisas são tão chatas quanto nariz entupido!

Poucas coisas são tão chatas quanto nariz entupido!

            Acordei com metade da minha capacidade respiratória. Via nasal, que fique claro. Que difícil que é não respirar. Estou respirando, eu sei. Completo os outros 50% com a boca. Mas é que o ar entra tão gelado e parece confuso lá dentro, como se tivesse perdido temporariamente o sinal do whatsapp. Lá vem ele, sem saber muito bem para onde ir, já era hora do próximo ar chegar bonitinho no pulmão, e o primeiro ainda perdido no meio do caminho "vou para direita ou para esquerda?".

            Coisa horrível estar incapacitado. Namorei uma garota, quando eu era novinho ainda, que tinha rinite alérgica. Eu tinha uma agonia descomunal de estar perto dela de manhã. Como espirrava, fungava, assoava o nariz, como fazia barulho. Eu ali, ainda não tinha nem acordado a 100% e ela e seu lencinho a todo vapor. Hoje quando acordei – a 50% no máximo – e percebi o quanto era difícil viver com metade do nariz, lembrei dela e de quanto cruel eu era, do alto da minha capacidade de respiratória completa, ao julgá-la em seu desconforto.

            Não é que eu esteja exatamente gripado – não tenho febre, não tusso – mas desde que acordei, sigo com meu aturgyl na mão. Tomei café agarrado nele, atendi mirando o frasco na mesinha lateral, escrevo agora com o remédio no colo. Entre pingar ou não a única gotinha que resolveria o meu problema, em questão de 30 segundos, lembro da voz de minha esposa "cuidado com o aturgyl, ele pode te levar a uma rinite medicamentosa". Que injustiça. A simples existência dele me conforta e é – por muitas vezes – solução o suficiente para aplacar a agonia, isso sim.

            Para as crises de minha namorada de juventude, não havia conforto possível. De novo, que injustiça. Essa não foi a única sacanagem que a vida lhe impôs no que se refere a dividir entre nós, matematicamente, o horror do destino. Ela era uma moça vaidosíssima e nutria um apreço grande pelo próprio cabelo. Um dia, resolveu que gostaria de radicalizar. Aliás, antes, uma particularidade: acredita que quando os fios estavam longos demais – e por longo demais leia, deveria ter cortado na sexta e só tinha vaga para segunda –, ela tinha enxaquecas lacerantes? "É o peso extra na cabeça, faz todo sentido", argumentava. Entendeu? Pois resolveu radicalizar e me apresentou um produto antiquíssimo que promete cabelos lisos, sedosos e cheios de movimento a cada aplicação. A rigor, o objetivo é alisar e pintar. Compramos o preto.

            Assim no plural mesmo, como tínhamos ambos os cabelos curtos, a proposta era que usássemos a mesma bisnaga para ficarmos "lindos juntos". No fundo, no fundo, ela queria dividir o prejuízo na farmácia. Ainda nos cinco primeiros minutos da aplicação, nós dois de touca na cabeça, percebemos um vermelhinho que começava a aparecer no pescoço dele. Teste de pele? Imagina, éramos jovens e destemidos. O vermelhinho virou uma coceira, que virou uma queimação, que virou desespero, cabeça na pia, água corrente e muitos chumaços de cabelo escorrendo pelo ralo.

            Minha mãe, que cochilava no quarto do lado, correu ao som dos gritos de horror da menina e sapecou todo mundo num taxi a caminho do hospital Santa Cruz. Alergia de contato, cabeça raspada à máquina zero e auxílio medicamentoso. Nos dias que se seguiram ao ocorrido, ela pegava no meu cabelo preto, esticadíssimo, e dizia ainda chorosa, "que injustiça". Para mim, sua fase de cabelo curtíssimo foi, disparada, de todas a mais bonita. Embora ela também ficasse muito bem com o cabelo cacheado, castanho, preto, curto, longo – não, longo não, as enxaquecas não lhe favoreciam. Até ligaria para pedir desculpas pela falta de paciência nas manhãs de barulho, mas dificilmente teria a minha voz reconhecida com esse nariz entupido.

            Bem feito, justíssimo!

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