Quem aí já não tirou uma selfie com a carteirinha de vacinação carimbada ou não se filmou com a seringa no braço? Muitos fizeram isso no último ano e meio comemorando na praça pública que são as redes sociais a proteção contra o famigerado Sars-CoV-2.
Se reparar, essa imagem vem minguando na nossa timeline. Reconheço que esse é um jeito nada científico de tentar avaliar o ânimo geral das pessoas para a vacinação contra a covid-19. Mas é um sinal — um mau sinal, diga-se.
Você pode até pensar que é natural, já que muitos de nós estão vacinados. Só que não é bem assim. Parte considerável da população brasileira não tomou nem sequer o primeiro reforço, que na boca do povo é chamado de terceira dose. Muitos adolescentes também estão se devendo essa dose extra e a criançada, então, nem se fala, senhores pais e responsáveis.
"A questão é que, hoje, até na percepção de risco existe uma fadiga", foi o comentário quase melancólico do pediatra intensivista Juarez Cunha, presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), que acaba de realizar a 24ª edição de sua jornada, reunindo ao longo de quatro dias, em São Paulo, pesquisadores e profissionais de saúde de todo o país.
Essa fala, por sinal, aconteceu justamente na mesa-redonda que encerrou o evento no sábado, dia 10. O tema era o futuro da vacinação da covid-19, doença da qual, de fato, estamos esgotados.
Talvez por isso, da mesma forma como a vacina perdeu aquela graça novidadeira que valia fotos, posts e hashtags agradecidas, naturalizamos o que continua ruim. Admito que a situação está bem melhor do que no auge do terror tocado pelo coronavírus, mas a média móvel das últimas duas semanas ainda é de 70 mortes por dia. Logo, perto de 500 por semana.
"No entanto, nos últimos dois meses, a cobertura vacinal contra a covid-19 aumentou apenas entre 1% e 2%, no Brasil", disse, na mesma mesa-redonda, Marcelo Ferreira da Costa Gomes, do Grupo de Métodos Analíticos em Vigilância Epidemiológica da Fiocruz, no Rio de Janeiro.
Pergunto: se, de tão cansados, deixamos de olhar para o risco e se, ainda por cima, existe a confusão de que ômicron seria um docinho de variante ao lado da qual seremos felizes para sempre, como convencer as pessoas a tomar novas doses da vacina contra o Sars CoV-2 em 2023? Elas serão realmente necessárias? Para todos? E será só no ano que vem mesmo? A vacina vai ou não vai mudar?
No sábado, fui ali em busca de respostas. Adianto que nem todas estão prontas. Entenda em que pé estão as coisas.
Na ocasião, o virologista e biólogo molecular José Eduardo Levi, à frente da área de pesquisa e desenvolvimento da Dasa, deu uma aula magnífica sobre como surgiram as novas variantes do Sars-CoV-2.
E destacou um ponto: "Todos os coronavírus que conhecemos no passado foram transmitidos dos animais para o ser humano. O que é diferente agora na pandemia é que, no sentido inverso, as pessoas com covid-19 também passaram o vírus para os animais", disse.
Não faltam exemplos. Um deles é o dos veados-de-rabo-branco, que inspiraram Bambi, da Disney. Em Ohio, nos Estados Unidos, de 30% a 40% deles estavam com covid-19 ou já tinham sido infectados pelo Sars-CoV-2.
Pelo jeito, esse vírus passa sem cerimônia de uma espécie para outra. Isso explicaria por que, em Nova York e em Londres, examinando o esgoto, os cientistas acharam pedaços do material genético de variantes completamente diferentes daquelas que já causaram a covid-19 em gente como a gente, provavelmente vindas de animais que circulam por ali. "É cedo para sossegar de vez e achar que não poderá aparecer uma variante nova vinda dessas espécies", concluiu Levi.
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