"Se eu fosse escrever sobre esse estudo, começaria contando que a mãe modelo 'raiz' de alguma maneira foi feita para viver mais", ouvi do cardiologista baiano Andrei Sposito, que no último final de semana me surpreendeu mandando um artigo quentinho, recém-publicado no Journal of the American Heart Association.
Realizado por pesquisadores da Universidade de Innsbruck, na Áustria, o trabalho revela uma associação clara entre amamentar e um menor risco cardiovascular.
Os autores não estavam para brincadeira. Fizeram uma revisão sistemática e uma metanálise a partir de oito estudos anteriores parrudos que envolveram, no total, nada menos do que 1.192.700 mulheres com idade média de 51 anos quando a investigação começou.
Destas, cerca de 982 mil, ou 82%, tinham amamentado. Aliás, se a gente soma todo o período em que fizeram isso ao longo da vida, considerando que algumas tiveram mais de um filho, dá uma média de 15 meses.
Todas — as que amamentaram e as que não amamentaram — foram acompanhadas por pouco mais de uma década.
Nesse período, 54 mil dessas mulheres apresentaram doença cardiovascular, como aterosclerose. Mais de 26 mil chegaram a infartar. Quase 31 mil sofreram um acidente vascular cerebral, o AVC. E, infelizmente, perto de 11 mil morreram.
No entanto, o risco de qualquer um desses eventos acontecer sempre foi menor nas que aderiram ao aleitamento materno. Entre elas, a ameaça de ter uma doença coronariana se mostrou 14% menor. A de ter um AVC ficou 12% mais baixa. E a probabilidade de morrer por causa dele ou do coração, 17% menor.
Sposito achou que eu iria gostar de saber desses dados. Acertou em cheio. Principalmente pelo que o trabalho ensina nas entrelinhas. A lição, vou logo avisando, é do interesse de todos.
inclusive de mulheres que jamais amamentaram, de mães que nunca quiseram dar de mamar, de homens até. Difícil será arrastar esses outros, talvez, até a última gota de um texto que fala de amamentação. Mas não custa eu tentar...
Na hora da consulta
O estudo chegou a essa conclusão sobre a redução do risco fazendo um pareamento. Ou seja, comparou mulheres que amamentaram e mulheres que não deram o peito que tinham características parecidas, como a mesma idade ao dar a luz e o mesmo período de aleitamento.
Portanto, digamos que foi um trabalho elegante — elegante é um adjetivo que os cientistas igualmente "raiz", como o próprio Sposito, gostam de usar diante de um estudo bem feito, desses que não deixam muita margem à dúvida.
E, pela repercussão, não estranhe, se for mulher: é bem capaz de, mais dia, menos dia, o seu cardiologista querer saber se você amamentou ou não.
"Sim, esse achado de que as mulheres que amamentam tendem a infartar menos já vale uma pergunta de consultório", confirma Sposito, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e mais várias outras linhas de funções no currículo, como investigador associado sênior do National Heart, Lung and Blood Institute, nos Estados Unidos, e membro do conselho editorial de publicações científicas internacionais como a e-Bio Medicine/ The Lancet, para citar só duas.
"A proteção não está no leite derramado pelas glândulas mamárias", esclarece o cardiologista. Para as crianças, é inegável: esse alimento faz maravilhas cientificamente comprovadas.
Não à toa, vale bater na tecla de que a recomendação da OMS (Organização Mundial de Saúde) é de que o bebê seja amamentado logo depois de nascer, se possível, e que o leite materno seja seu alimento exclusivo até os 6 meses, tornando-se uma espécie de suplemento a partir dessa idade até os 2 anos
Aliás, isso nem é de causar espanto, já que o aleitamento materno sustentou a espécie humana desde o princípio, muito antes do advento da mamadeira e das formulações em pó. Mas, para a mãe, não está nele o segredo do sucesso.
"A diminuição do risco cardiovascular provavelmente está em um conjunto de características comportamentais", pensa Sposito. Segundo ele, as mulheres que amamentam geralmente são mais ligadas em saúde. Logo, cuidam-se mais, até porque se preocupam em estar bem para criarem os filhos.
São mais conectadas em alimentação saudável também. No fundo, o coração ganharia é com esse pacote.
"Por tudo isso é que são inclinadas a tomar essa decisão que nem sempre é fácil. Amamentar, afinal, tem um custo elevado, tanto energético quanto emocional", observa o médico.
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