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segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Fernando Molica: Voto evangélico reflete desconfiança em relação ao Estado


Mais do que sintoma exacerbado da fé no sobrenatural, o voto por influência religiosa revela falta de confiança nos poderes constituídos na Terra e, no caso brasileiro, também dá pistas sobre caminhos espirituais e profissionais traçados por uma parte da sociedade que sempre se soube desprezada.

A concessão, por parte de Jair Bolsonaro (PL), de muitos favores a igrejas evangélicas ajuda a entender o engajamento de seus líderes na campanha de reeleição do presidente, mas não permite explicar o que faz com que milhões e milhões de pessoas sigam a orientação eleitoral de seus pastores.

Estes fiéis são trabalhadores, não foram contemplados com isenções fiscais, não intermediaram obras e serviços, não tentaram vender vacinas, não ganharam gabinetes informais no Ministério da Educação — mas, segundo o Datafolha, 49% deles estão com Bolsonaro, contra 32% que pretendem votar no ex-presidente Lula (PT).

Setores mais ortodoxos presentes na esquerda e na direita tendem a ver evangélicos como invasores, penetras em uma festa para a qual não haviam sido convidados. Esta atitude que apenas reforça o sentimento de exclusão compartilhado por esses fiéis, que durante séculos foram vítimas de preconceito por parte da hegemonia católica. Uma discriminação que fortaleceu os laços entre protestantes e até hoje gera entre eles uma desconfiança em relação aos que não professam a mesma fé.

Nos últimos 60 anos, o processo de urbanização explodiu: em 1960, 44% dos brasileiros viviam em cidades, percentual que pulou para 84% em 2010. Em busca de uma vida melhor, dezenas de milhões de pessoas deixaram o campo e seus laços familiares e passaram a inchar favelas e periferias de centros urbanos.

Desenraizados, expostos a uma modernidade agressiva, que questiona quase todos os seus valores, vítimas de um Estado que lhes nega direitos básicos, muitos desses migrantes encontraram em igrejas evangélicas espaços de solidariedade, de reafirmação de princípios e, mesmo, de reestruturação familiar. Não se pode desprezar o efeito positivo em uma família quando um dos de seus integrantes, geralmente o homem, deixa de beber.

Diferentemente da grande maioria dos templos católicos, muitas das igrejas evangélicas são simples, estão na dimensão dos fiéis, e conservam as portas abertas durante quase todo o dia.

Ao ser chamado de irmão, aquele homem ou aquela mulher ganha novos parentes e se reinsere em uma família que, como a original, cultiva valores rejeitados pelos que não “aceitaram” Jesus, aqueles que os olham do alto, que os ironizam e ridicularizam.

A atitude de pentecostais de atribuir males a poderes externos facilita a integração a uma nova vida: a culpa das mazelas não é do filho que usa drogas, da filha que engravida ainda adolescente, do marido que não arruma emprego, do governo que não entrega escola ou hospitais. A culpa é do demônio — a prioridade, portanto, é derrotá-lo. A explicação é precária, mas tem o poder de apontar algum caminho.

Mas além da dimensão comunitária, o evangélico tende a trabalhar com o crescimento individual; longe de ser pecado, enriquecer é uma benção divina. Uma lógica que se encaixa de maneira quase perfeita em sociedades que, nas últimas décadas, diminuíram salários e empregos, enfraqueceram os vínculos e benefícios trabalhistas e que, até pela influência das novas tecnologias, incentivaram a atividade solitária — o “se vira aí”.

Até por falta de alternativas, muitos e muitos jovens pobres se converteram a uma ideia de empreendedorismo, ainda que esta iniciativa esteja precariamente equilibrada nas rodas de bicicletas e motos usadas para entregas. O mecanismo de ascensão individual incentivado pelas igrejas promete entregar o que o Estado negou: emprego, habitação, saúde, segurança, bem-estar; vitórias particulares, como as tantas narradas em parábolas bíblicas.

Impulsionados, desde os anos 1980, pelos ventos que sopravam da chamada ala progressista da Igreja Católica, Lula e o PT demonstram alguma dificuldade de entender que, cansada de enfrentar tantos perrengues e barreiras, boa parte da população mais pobre trocou o sonho da carteira assinada pelo objetivo, ainda que incerto e duvidoso, de criar uma saída individual.

Nesta luta, as promessas da Teologia da Prosperidade cultivadas em milhares de igrejas pulverizadas parecem fazer mais sentido que o paraíso coletivista e centralizador da Teologia da Libertação.

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