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sábado, 21 de maio de 2022

Beleza tem padrão? Idealização do corpo perfeito gera cobrança sobre as mulheres


O que é beleza? O dicionário Aurélio, referência na língua portuguesa, define a palavra como “qualidade de belo”. Na filosofia, o tema se relaciona, principalmente, com a arte e a estética grega – Platão, por exemplo, diz que a beleza está pautada na noção de perfeição, de verdade, que vem de uma realidade alheia ao mundo concreto no qual vivemos e que, por isso, o ser humano não é capaz de percebê-la plenamente. Na psicanálise, a beleza é vista como uma apreciação subjetiva, ou seja, o que é bonito para uma pessoa pode não ser para outra.
Entretanto, na sociedade, ao longo do tempo, foram idealizados “padrões de beleza”, dentro de uma visão estética excludente, em que algumas características físicas se tornam mais atraentes em detrimento de outras, disseminando exigências comportamentais de adequação a esses padrões. Isso tem influenciado tanto homens e mulheres a correr atrás do “corpo perfeito” para se encaixarem nesse padrão. Por questões históricas e machistas, essa cobrança é muito maior sobre o corpo feminino.  
Esse tema se tornou recorrente na sociedade nos últimos anos, e, recentemente, tomou conta das redes sociais após a morte da cantora Marília Mendonça. Ícone do “feminejo”, ela morreu na última sexta-feira em um acidente aéreo em Minas Gerais, aos 26 anos. Mesmo arrastando multidões para suas apresentações, com recordes de público nas lives e sendo a artista brasileira mais ouvida no Spotify desde 2019, algumas pessoas, ao relembrar a vida e trajetória dela, preferiram frisar a questão do corpo de Marília e que ela “brigava com a balança”.  
Isso aconteceu com um artigo publicado no jornal “Folha de S.Paulo” e nas falas dos apresentadores Luciano Huck e Ana Maria Braga, durante as homenagens à artista. “Ela fez tanto para chegar nesse shape lindo, físico, né? Ela emagreceu, criando um caminho para ela, que fazia sentido com esse vozeirão”, disse Ana Maria no “Mais Você” da última segunda-feira. 

“Os corpos femininos são julgados ainda hoje, pois muitas pessoas operam com a ideia do que é público e do que é privado. E, para essas pessoas, o corpo da mulher está na esfera pública: casamento, trabalho, filhos e corpo. Principalmente o corpo. E isso piora quando essa mulher é uma artista”, explica a psicóloga e coach de mulheres Adriana Roque. 

“Mas mesmo no momento atual, pessoas com tamanha informação e desenvolvimento intelectual não conseguem pensar para além do machismo que tapa os olhos. Sem contar que falas como essa minimizam comportamentos, como: Marília Mendonça não brigava com a balança, ela decidiu ter hábitos mais equilibrados, o que resulta na perda de peso; passou a fazer exercícios físicos com regularidade, cuja escolha e constância é muito difícil para a maioria”, pontua. 

Questionamentos e reflexões 
A influenciadora digital Gabriella Camello, que tem usado seu perfil no Instagram para falar sobre a quebra de padrões e a normalização do corpo feminino, afirma que ainda é muito presente na sociedade a ideia de “a mulher tem que estar com a aparência física sempre alinhada” com os padrões de beleza, que comumente se sobrepõe a outras características e habilidades. “A Marília Mendonça é um exemplo claro disso, talentosíssima, mas a pauta ainda continuou sendo o corpo dela. Não tinha nem necessidade de mencionar a forma física dela; o talento já era suficiente”, avalia Gabriella, que relembra que a cantora sofria uma pressão estética desde o início da carreira. 

Gabriella, que tem 27 anos, se submeteu a uma cirurgia bariátrica e, após o procedimento, emagreceu 60 kg – antes, ela pesava 125 kg. “Eu emagreci, sim, por saúde, mas também sempre busquei esse padrão estético”, diz a influenciadora. “Só que, aí, quando eu achei que tinha chegado nesse padrão, simplesmente percebi que eu nunca ia atingi-lo. Porque as pessoas falavam ‘ah, emagreceu, mas está flácida’, ‘emagreceu, mas tem estria’. Nada era perfeito nunca e nada ia saciar a minha sede. É uma sede do mundo que colocam na gente, a gente nunca está satisfeito”, afirma Gabriella, que resolveu rever a maneira como essa cobrança em busca do “corpo perfeito” estava interferindo na vida dela.  

“Uma coisa é a imagem que você quer passar para as pessoas, outra é você perder sua personalidade, suas características físicas em prol de um patriarcado. Quem ditou essas regras? Quem ditou esse padrão?”, questiona a influenciadora, que ressalta a importância de desmistificar essa ideia que é repassada para as mulheres ainda na infância e na adolescência. “Quando a mulher se liberta, aí, sim, ela não se preocupa mais com a opinião das outras pessoas sobre o próprio corpo”, garante Gabriella.

Para a psicóloga Adriana Roque, a sociedade mantém essa fixação ao padrão de beleza porque “é vendido como melhor, mais bonito e saudável”. “Algumas publicidades têm mudado, porém não adianta quando um tamanho 42 agora é 40, quando o 40 é o 38. Essa é a forma indireta e indiscreta de dizer: você ainda não está bem. Não estou dizendo que todo o sistema é assim, mas, infelizmente, grande parte ainda opera com a lógica da magreza – e magreza extrema, barriga negativa, ombro acentuado e saboneteira”, avalia ela. 

Adriana ressalta que seguir esse ideal levanta outras questões e reflexões. “Não somos iguais biologicamente, cada um tem uma história de vida, desenvolve uma subjetividade. Como querer que as mulheres, principalmente, se encaixem em um padrão de corpo? Infelizmente, essa ideia ainda vende, é almejada, pois é tida como bonita e saudável. Mas que o que seja saudável é cada um buscar a melhor ‘versão’ que o seu corpo pode te dar. Se estamos falando de saúde, estamos falando de hábitos saudáveis que resultam em benefício para a vida da pessoa no longo prazo”, afirma a psicóloga. 

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