O outubro ainda é rosa, ainda é um mês importante, voltado para o cuidado, para a prevenção, para a esperança. As ruas ganham tons mais suaves, as campanhas se multiplicam e o convite ao autocuidado se espalha. Mas, em meio a tudo isso, a realidade insiste em nos trazer de volta ao chão. Mais duas mulheres perderam as suas vidas. Desde já, solidarizo-me com os familiares e questiono, entristecido, como ser mulher em uma sociedade que, mesmo sem admitir, parece conivente a essa insegurança, pois se revolta com o fato, com a perda, mas continua repetindo os mesmos modos de agir?
Nos últimos meses,
Ilhéus tem assistido a episódios dolorosos que escancaram o quanto ser mulher
continua sendo um ato de resistência. A cada nova história, cresce a pergunta
que parece nunca se calar, até quando a violência será parte do nosso
cotidiano?
O feminicídio é o
ponto final de uma história que começa muito antes, nas piadas, nas
desconfianças, nas cobranças, no controle. É a ponta visível de um machismo
estrutural, típico de um paternalismo arcaico que, de tão naturalizado, se
confunde com o cotidiano.
Sim, Ilhéus hoje
tem uma Secretaria de Políticas para as Mulheres, uma conquista importante, que
precisa ser fortalecida. Há projetos, campanhas e ações que tentam romper o
silêncio. Mas ainda é pouco diante da imensidão do problema. Não há secretaria
que dê conta sozinha de um sistema que ainda educa meninos para dominar e
meninas para suportar.
Você sabia que a
maioria dos feminicídios acontece dentro de casa? E, que quase sempre o
agressor é o companheiro ou ex-companheiro? É por isso que o combate à
violência precisa começar onde ela nasce, nas relações, nos gestos, na cultura
que insiste em transformar o amor em posse.
Outubro Rosa fala
sobre cuidado com o corpo, sobre o autocuidado. Mas e quando a vida de alguém
acaba em risco, por nascer mulher? Quando depende delas, a campanha é um
sucesso. O Outubro Rosa consegue atingir o objetivo, consegue alertar sobre a
importância de detectar quanto antes o câncer de mama e tratá-lo. O problema é
quando um homem se coloca entre este outubro e o próximo.
O que falta,
talvez, seja coragem coletiva, de ouvir, de acolher, de mudar. Devemos ter a
coragem para admitir a nossa culpa, enquanto sociedade. As mulheres são vítimas
aqui, não por serem fracas, muito pelo contrário, eu digo, o exemplo da força
de cada uma delas é admirável, mas vítimas, por vivemos em um sistema falido,
em que a ganância e aquele sentimento de posse continua sendo a principal
política. Algo que existiu no passado e, ao invés de ter ficado lá, é repetido
por todos nós, intrinsecamente, dia após dia.
E, enquanto essa violência, essas perdas continuarem sendo transformadas apenas em estatísticas, o rosa do outubro continuará sendo manchado por tons rubros, apagaram tudo pintaram tudo de azul.

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