Apesar dos avanços conquistados em ocupar mais espaços, não há tempo suficiente para que a mulher desempenhe com excelência todos os papéis que lhe são atribuídos ou que ela escolhe desempenhar (profissional, mãe, companheira, amiga…). Como a conta não fecha dentro das 24 horas diárias, a experiência de ser mulher demanda “equilibrar os pratinhos”, sem deixar nada cair ou quebrar.
Há ainda poucas empresas no Brasil que tentam tornar esse percurso menos díspar em relação aos homens, oferecendo condições estruturais básicas para que a mulher consiga conciliar a carreira profissional à maternagem, sem impor a escolha de uma em detrimento da outra. Mais do que flexibilidade de horários ou possibilidade de home office, ou ainda benefícios que vão do plano de saúde ao kit fralda, é preciso equiparar as licenças maternidade e paternidade, para que ambos os pais possam estar presentes integralmente nos primeiros meses de vida do bebê.
Desde 2016, com a aprovação do Marco Legal da Primeira Infância, empresas cadastradas no Programa Empresa Cidadã concedem 20 dias de licença aos pais e seis meses às mães.
“Ainda falta entender que crianças precisam ser criadas pelos pais e pelas mães”, provoca Cris Bartis, cocriadora do Mamilos Podcast e mãe de Tamires, 10 anos, e Amós, 2 anos. “É muito difícil se separar de um bebê pequeno enquanto ainda estamos entendendo quem é quem nessa nova configuração familiar. Ficar sem ele é quase a sensação de falta de ar”, define. Mas, mesmo assim, “é preciso criar forças e voltar”.
“O que é um parto perto da volta ao trabalho depois da licença? É muito medo e insegurança de que você não vai conseguir produzir o suficiente”
Raphaella Martins Antonio, publicitária e mãe de Liz, 2 anos, concorda com a urgência da paridade de uma licença parental, como forma de provocar uma revisão cultural. “A sociedade hoje está toda estruturada na ideia de que a responsabilidade do maternar é apenas da mãe, desde a licença-maternidade, que é maior para elas, até detalhes como trocador de bebê apenas nos banheiros públicos femininos.”
“Nesse modelo de sociedade, nosso corpo é o capital de trabalho”, completa Cris. “Como o corpo da criança ainda não produz, é invisível aos olhos dessa lógica. Nós, como principais cuidadores, responsáveis por criar os futuros produtos do capital, não temos esse trabalho reconhecido, tampouco remunerado.”
Cris Bartis, comunicadora e mãe de Tamires e Amós: “Nesse modelo de sociedade, nosso corpo é o capital de trabalho. Nós, responsáveis por criar os futuros produtos do capital, não temos esse trabalho reconhecido, tampouco remunerado”
Números comprovam o impacto de as “tarefas” do cuidar seguirem intimamente associadas à figura feminina: 30% das mulheres já abriram mão de seus empregos após se tornarem mães, número superior quatro vezes ao de pais. Dessas, apenas 8% conseguiram voltar em menos de seis meses (contra um índice de 33% para os homens), apontou pesquisa realizada pela empresa de recrutamento Catho, em 2018. Como alternativa muitas vezes de sustento e renda extra, elas dominam o chamado “empreendedorismo feminino”.
O Brasil é o sétimo país com o maior número de mulheres empreendedoras – elas são mais de 24 milhões de brasileiras. O dado é de um levantamento da Global Entrepreneurship Monitor (GEM), realizado com 49 nações.
Raphaella relata que já ouviu muitas vezes entrevistadores perguntarem se queria ser mãe ou se engravidar estava em seus planos, a que respondia com um “sim, o mais rápido possível”, diz. “Também questionava, de forma irônica, qual o impacto da pergunta na rotina e os critérios do perfil, além de já automaticamente descartá-la da lista, com a ciência de que uma empresa que não valoriza ou rejeita o que me é tão caro, não serve para mim.”
Para Vanessa Cabral, gerente executiva da área de Pessoas e Cultura e mãe de Laura, de 1 ano, “a pluralidade torna o ambiente mais rico, aberto a trocas e próspero para boas ideias”. Ao adotar práticas de bem-estar para as mulheres, ela acredita que “os benefícios impactam os colaboradores de forma geral, trazendo um olhar mais humano para as organizações”, declara. Vanessa foi promovida a uma posição executiva quando estava com quase cinco meses de gestação.
De quem falamos quando falamos de ‘equilibristas’?
Mas, quando falamos em equilibrar trabalho, cuidado com filhos, inserção e reconhecimento no mercado, equiparação salarial, divisão das tarefas domésticas, trata-se de um recorte de feminismo branco, alerta Cris Bartis. “Não estamos falando de todas as mulheres. A cada uma dessas brigas, vamos perdendo mais mulheres. Quando falamos de conquistas ou retrocessos, consideramos apenas aquelas que conseguiram avançar; tem gente que nem chegou a esse lugar e as questões estão em outro patamar, como saneamento e creche para deixarem os filhos enquanto cuidam dos nossos. Não existe direito adquirido em definitivo”, lembra.
Como equilibrar os sentimentos nessa jornada?
“O que será que uma mãe
faz,
além de ser mãe?
Ser mãe dói demais.
Todas as mães precisam
do direito fundamental
de serem mulheres
também.”
Poema Direito Fundamental, de Ana Suy, no livro “A corda que sai do útero”
Diante da tendência de um mercado mais preocupado em acolher as mulheres, dando-lhes suporte mínimo, e companheiros melhor esclarecidos em relação ao equilíbrio de comprometimento com as questões do lar e em apoiar emocionalmente suas parceiras, ainda existe o sentimento de culpa que mulheres tentando “equilibrar os pratinhos” costumam carregar consigo e o julgamento alheio a que estão sujeitas.
Maria Candida Baumer Azevedo, sócia-fundadora da People & Results e mãe de Duda, 5 anos, e Arthur, 8 meses, sugere que a desconstrução e a reconstrução devem começar desde a primeira infância, quando a personalidade da criança é formada. “Mais do que criar filhos para a noção de equidade, é preciso criá-los para serem autônomos, seguros de si, automotivados, emocionalmente equilibrados, independentes”, defende. “Essa criança vai ser um adulto que se posiciona, com contundência e assertividade, criando seu próprio espaço”.
Cris também acredita que não devemos esperar que a sociedade mude o suficiente, mas nos conclama a fazer a nossa parte. “Devemos protagonizar a mudança, desconstruindo o sentimento e dando abertura para que outros possam nos ajudar em determinados papéis, mesmo que não saia exatamente do nosso jeito. A pergunta que nos cabe é: somos capazes de carregar o incômodo da imperfeição?”
“As pessoas me perguntam ‘como você dá conta?’ Mas quem disse que eu dou conta?”, questiona-as de volta. “Lido todos os dias com coisas por fazer, mas é justamente esse lugar da humanidade que devemos reivindicar, para validar nossas justificativas e entender que não dar conta não é tão ruim assim.”
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