Dada a dificuldade de fiscalização das cotas de candidatura e de financiamento, como alcançar a efetiva redução de desigualdade de gênero na representação política, sem gerar gastos com mais burocracia e controle? Com a reserva de cadeiras no Legislativo para mulheres. Essa medida, já existente em 24 países, tem a vantagem de ser de fácil implementação.
Há 2 argumentos contrários à cota de cadeiras: em
1º lugar, ela não seria justa; e em 2º lugar, produziria políticas públicas e
uma representação pior, por não selecionar quem os eleitores de fato acham que
são os melhores, ferindo assim o princípio democrático.
Vamos então enfrentar essas duas objeções e mostrar
que elas não se sustentam. Sobre a qualidade da representação política, há
diversos estudos que apontam melhora na qualidade dos políticos eleitos com a
introdução de cotas de cadeiras para mulheres. Em municípios italianos, as
cotas aumentaram o nível educacional dos eleitos.
Na Índia, um estudo do Banco Mundial apontou maior
participação política e engajamento cívico no médio e longo prazo como resultado
da medida. Outro estudo concluiu que cotas em listas fechadas na Suécia
aumentam a qualidade dos políticos homens (medido pela renda deles fora da
política), excluindo homens medíocres da disputa eleitoral.
No Brasil, há indícios de que mulheres são melhores
políticas que homens em geral, considerando o resultado de políticas públicas.
Em um estudo, autores concluíram que em prefeituras governadas por mulheres,
indicadores de saúde recebem mais recursos federais e há menos corrupção.
Ainda que a política melhore com maior representação
feminina, com menos corrupção e maior qualidade dos eleitos, pode-se argumentar
que as cotas não são justas, por não selecionar quem os eleitores realmente
prefeririam. Para entender porque esse argumento não se sustenta, é preciso
resgatar que o elitismo está por trás da democracia moderna.
A democracia moderna, também chamada de governo
representativo, foi desenhada para se diferenciar do sistema considerado o mais
democrático que vigeu por muitos séculos na Grécia Antiga e em cidades-estados italianas
durante a Idade Média: o sorteio.
Como o sorteio tende a gerar uma representação
parecida com a demografia de um país, no Brasil as mulheres tenderiam a ter 50%
das vagas, já que representam em torno de 50% da população adulta brasileira.
Já as eleições permitem que as elites políticas consigam eleger representantes
que não reflitam o perfil do eleitorado, ao controlar a oferta de candidatos
com acessos a mais recursos para serem percebidos como bons candidatos. O
intuito a época era justamente garantir que a qualidade da representação
política fosse alta, em um eleitorado predominantemente de baixa renda, escolaridade
e despolitizado.
No mundo atual, a evidência empírica apresentada
mostra que claramente este não é o caso quando se trata de representação
feminina. As elites partidárias, ainda que obrigadas a financiar candidaturas
de mulheres, desviam verbas para continuar promovendo a eleição dos candidatos
da sua preferência, isto é, homens. Hoje é muito mais difícil para mulheres
serem eleitas, por conta da concentração de recursos, conexões e socialização
política diferentes entre homens e mulheres.
Nesse sentido, a situação sem cota é, na verdade,
uma cota invisível para homens se considerarmos que toda a discriminação de
gênero existente ao longo da vida de homens e mulheres e, mais ainda na
política, dificultam a eleição de mulheres.
Assim, ao contrário do que se argumenta, a
introdução de cotas nada mais é que promover justiça em uma sociedade
patriarcal e desigual. A própria evidência apontando para maior qualidade das
mulheres (medidas de várias formas diferentes), uma vez eleitas, sugerem que
homens estão em vantagem no processo político atual, e podem se dar ao luxo de
serem mais medíocres que as mulheres para serem eleitos.
Além disso, ao produzir diversidade, o sistema
eleitoral tende a quebrar estereótipos negativos sobre o papel das mulheres na
política e na esfera privada, uma vez que os eleitores veem a real qualidade
das lideranças femininas. A preferência do eleitorado, também influenciada por
essa discriminação sistemática que reduz a presença de mulheres na política,
tende a mudar.
Em resumo, precisamos introduzir cotas de cadeiras para o Legislativo, se queremos melhorar a qualidade da representação política, reduzir fraudes e corrupção sem sobrecarregar o controle eleitoral, e ainda tornar nosso sistema político mais democrático e justo. É possível iniciar esse processo com um experimento na esfera municipal, aleatorizando municípios que implementariam as cotas em um primeiro momento, e avaliando o seu resultado ao longo do tempo. Não há bons argumentos para insistirmos na fracassada política de cotas em lista aberta, como é o caso no Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário