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Bocão 64

sábado, 6 de agosto de 2022

Como falar outras línguas mexe com nosso cérebro


Estou na fila da padaria que frequento em Paris, pedindo desculpas ao atendente. Ele está totalmente confuso. Acabou de perguntar quantas baguetes eu queria e, completamente sem querer, respondi em mandarim, em vez de francês.

Estou igualmente perplexa: minha língua principal é o inglês, e não uso o mandarim devidamente há anos. No entanto, aqui, neste cenário mais parisiense impossível, o mandarim resolveu se reafirmar.

Quem fala mais de uma língua geralmente domina os idiomas que conhece com facilidade. Mas, às vezes, podem ocorrer deslizes acidentais. E a ciência por trás de por que isso acontece está revelando perspectivas surpreendentes sobre como nossos cérebros funcionam.

As pesquisas sobre como as pessoas multilíngues fazem malabarismo com mais de um idioma em suas mentes são complexas, e às vezes, contraintuitivas. Esses idiomas podem interferir uns com os outros, se intrometendo, por exemplo, na fala quando você não espera. E essas interferências podem se manifestar não apenas em lapsos de vocabulário, mas até mesmo na gramática ou no sotaque.

"Pelas pesquisas, sabemos que, sendo bilíngue ou multilíngue, sempre que você fala, todos os idiomas que você conhece são ativados", diz Mathieu Declerck, pesquisador da Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica.

"Por exemplo, quando você quer dizer 'dog' ("cachorro", em inglês) como um bilíngue de francês-inglês, não apenas a palavra 'dog' é ativada, como também sua tradução equivalente, 'chien' ("cachorro", em francês), também é ativada."

Dessa forma, a pessoa que está falando precisa ter algum tipo de processo de controle de linguagem. Se você pensar bem, a capacidade dos indivíduos bilíngues e multilíngues de separar os idiomas que aprenderam é notável.

A forma como fazem isso é normalmente explicada por meio do conceito da inibição — uma supressão das línguas não relevantes.

Quando você pede a um voluntário bilíngue para dizer o nome de uma cor que aparece em uma tela em determinado idioma, e depois o nome da cor seguinte em outro idioma, é possível medir picos de atividade elétrica em partes do cérebro responsáveis pela linguagem e atenção.

Mas quando esse sistema de controle falha, intrusões e lapsos podem ocorrer. Por exemplo, a inibição insuficiente de um idioma pode fazer com que ele "apareça" e se intrometa quando você deveria estar falando em uma língua diferente.

O próprio Declerck, que é belga, está acostumado a misturar idiomas acidentalmente. Seu repertório linguístico inclui holandês, inglês, alemão e francês.

Quando trabalhava na Alemanha, a viagem habitual de trem que fazia para voltar para casa na Bélgica passava por várias regiões com idiomas diferentes — um verdadeiro treino para suas habilidades de alternância de idioma.

"A primeira parte era em alemão, e eu entrava em um trem belga em que a segunda parte era em francês", diz ele.

"E depois, quando você passa por Bruxelas, eles mudam o idioma para holandês, que é minha língua nativa. Então, neste período de três horas, toda vez que o cobrador vinha, eu tinha que trocar de idioma."

"Eu sempre respondia no idioma errado, de alguma forma. Era simplesmente impossível acompanhar."

Na verdade, cenários de troca de idiomas — como esse do trem, mas em laboratório — são frequentemente usados ​​por pesquisadores para aprender mais sobre como pessoas multilíngues dominam os idiomas.

E os erros podem ser uma ótima maneira de compreender melhor como usamos e dominamos os idiomas que sabemos.

Tamar Gollan, professora de psiquiatria da Universidade da Califórnia em San Diego, nos EUA, estuda há anos o domínio da linguagem em indivíduos bilíngues. E sua pesquisa muitas vezes levou a descobertas contraintuitivas.

"Acho que talvez uma das coisas mais singulares que vimos em indivíduos bilíngues quando eles misturam idiomas é que, às vezes, parece que inibem tanto a língua dominante que, na verdade, acabam sendo mais lentos para falar em certos contextos", diz ela.

Em outras palavras, a língua dominante de uma pessoa multilíngue pode sofrer um impacto maior em certos cenários.

Por exemplo, na tarefa de nomear as cores, descrita anteriormente, pode levar mais tempo para um participante lembrar o nome de uma cor no seu primeiro idioma quando estava sintonizado no segundo idioma antes, em comparação com a situação inversa.

Em um de seus experimentos, Gollan analisou as habilidades de alternância de idioma de pessoas bilíngues em espanhol-inglês, fazendo-as ler em voz alta parágrafos que estavam apenas em inglês, apenas em espanhol, e parágrafos que misturavam aleatoriamente inglês e espanhol.

Os resultados foram surpreendentes. Mesmo que estivessem com os textos bem ali na frente deles, os participantes ainda cometeriam "erros de intrusão" ao ler em voz alta — dizendo acidentalmente, por exemplo, a palavra espanhola "pero" (que significa "mas"), em vez da palavra correspondente em inglês "but".

Esse tipo de erro acontecia quase exclusivamente quando estavam lendo em voz alta os parágrafos mistos, o que exigia alternar entre os idiomas.

O mais surpreendente foi que uma grande proporção desses erros de intrusão não eram palavras que os participantes haviam "pulado".

Por meio do uso da tecnologia de rastreamento ocular, Gollan e sua equipe descobriram que esses erros eram cometidos mesmo quando os participantes olhavam diretamente para a palavra em questão.

E embora o inglês fosse a língua principal da maioria dos participantes, eles cometeram mais erros de intrusão com palavras em inglês do que com as palavras que deviam dizer em espanhol, idioma que não dominavam tanto — algo que, segundo Gollan, é quase como uma inversão do domínio do idioma.

"Acho que a melhor analogia é imaginar que há uma condição na qual você de repente se torna melhor em escrever com sua mão não dominante", diz ela.

"Chamamos isso de dominância invertida, e estamos dando grande importância a isso, porque quanto mais penso sobre isso, mais percebo o quão único e louco isso é."

Isso pode acontecer, inclusive, quando estamos aprendendo uma segunda língua — quando os adultos estão imersos no novo idioma, podem achar mais difícil acessar as palavras na sua língua nativa.

De acordo com Gollan, os efeitos da dominância invertida podem ser particularmente evidentes quando os bilíngues alternam entre os idiomas em uma mesma conversa.

Ela explica que, ao misturar idiomas, os multilíngues fazem uma espécie de malabarismo, inibindo o idioma mais forte para equilibrar as coisas — e, às vezes, vão longe demais na direção errada.

Os bilíngues tentam tornar as duas línguas igualmente acessíveis, inibindo a língua dominante para facilitar a alternância", diz ela. "Mas, às vezes, eles 'excedem' nessa inibição, e acabam falando mais devagar do que na língua que não é dominante."

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